Eros, O Deus do Amor é apenas meu quinto filme do diretor Walter Hugo Khouri. Com certeza o mais acertado seria conferir sua filmografia anterior para se familiarizar com o universo “khouriano”, o que talvez tenha feito eu não aproveitar em sua plenitude essa obra desse cineasta que aprendi a admirar com mais afinco nesse ano de 2011. Não que eu não tenha gostado do filme, achei maravilhoso (e com certeza vai render diversas revisões), mas a falta de uma intimidade com o personagem Marcelo, que parece ser o alter-ego do diretor, aparecendo em diversas realizações suas, certamente me fez não perceber todas as nuances de sua vida que são retratadas desde sua infância nesse que é considerado por muitos como uma das obras mais autorais desse encantador realizador.
Conheci Marcelo no filme Eu de 1987, em que ele se reunia com um time de mulheres lindas em uma praia paradisíaca para celebrar as festas de final de ano. Percebe-se que a personalidade do homem é magnética, extremamente egocêntrica e dotada de uma forte sedução, que usa para se satisfazer sexualmente, o que parece ser seu único e verdadeiro motivo de ser. Em Eu o ator Tarcisio Meira concebeu muito bem essa magnitude. Diferente do clima mais descontraído de Eu, em Eros, O Deus do Amor vemos um filme mais sério, existencialista até, evocando filosofias orientais e focado em tentar desvendar a verdadeira faceta de Marcelo (na poderosa voz de Roberto Maya), que vai surgindo em suas lembranças de infância e em outros momentos pelas suas deliciosas mulheres (Denise Dumont, Lillian Lemmertz, Reneé de Vielmond, Kate Lyra, Nicole Puzzi, Monique Lafond, Patrícia Scalvi, Selma Egrei, Kate Hansen, Christiane Torloni e Norma Bengell) que pontuaram a vida do homem, que nessa obra parece em busca de sua própria redenção. Todas elas carregam seus amores e mazelas por Marcelo e apontam o sujeito como um verdadeiro sanguessuga de almas, o que rende até uma interessante analogia que escutei de um amigo mais experiente no cinema de Khouri que Marcelo seria um vampiro, até porque nesse filme ele sempre esta nas sombras, a sua inevitável tara por pescoços e além de ser acusado de ter um rosto disforme (o qual não vemos em nenhum momento nesse filme).
A narrativa muito fragmentada é talvez o que me incomodou no filme, o que ainda achei que atrapalhou um pouco a fluência da trama, mas como provavelmente a historia é o que menos importa nessa realização, que sem dúvida é feita mais para ser sentida, com sua câmera que parece ser os próprios olhos do personagem/diretor ou a trilha sonora sensacional com momentos jazzísticos e outros com inserções de operas que oram exaltam a tensão sensual de seus personagens ora tentam trazer certa ternura ao protagonista. É um filme que mescla muito bem esse clima sensual com uma tensão crescente, ora também trazendo simbolismos imbuídos ao caráter de Marcelo, como o animal selvagem preso na jaula ou um brinquedo ingênuo que o homem guarda como um tesouro que parece significar toda a beleza de sua infância vivida em um relacionamento forte com sua mãe (Dina Sfat), que beirava o incesto. Claro que não mostrado de maneira franca pelo diretor, mas sugerido muitas vezes, o que ainda parece ter refletido nas próprias fixações do homem, que tem uma compulsão quase tão doentia por sua filha quanto sua mãe parece ter tido por ele.
Eros, O Deus do Amor é um filme para ser revisto muitas vezes, até porque rende algumas interpretações e apenas em uma apreciação talvez não se consiga captar todas. Mais além do caráter reflexivo, a obra tem cenas mágicas e ousadas, como quando vemos Marcelo ainda criança tendo sua primeira noite de sexo com a professora de inglês ou em uma seqüência sensacional em que o homem conhece a personagem de Christiane Torloni em um bar. Um filme que mesmo em uma cópia que não faz jus a sua importância, baixada de um site AMERICANO, consegue se perceber todo o brilhantismo de um diretor que transcendeu o próprio cinema brasileiro e que merecia ter seu nome mais lembrado pelo público nacional, com as merecidas homenagens e restaurações de sua filmografia completa em DVD ou Blu-Ray. Uma mulher em um filme de Khouri nunca é somente uma mulher e no caso de Eros, O Deus do Amor, a beleza que sua sensualidade exprime é vista como uma das poucas maneiras de se chegar mais perto do próprio Deus.
7 comentários:
Li textos elogiando o filme algumas vezes.
Em outras pancadas sobre essa produção.
Preciso assistir para formar opinião pessoal.
Belo texto. Se não gostar do filme, pelo menos a trilha, com certeza, vai me agradar.
Acho que a minha comparação de Marcelo com o vampiro se opera mais em EU, mas também dá pra ver muito nesse detalhe dos closes destacando os pescoços deliciosos das mulheres, inclusive em EROS, também. Uma pena você não ter destacado a Denise Dumont, que eu acho de uma gostosura incrível. Teve um amigo que dizia que o filme está com os rolos trocados, mas com uma narrativa tão fragmentada, nem dá mesmo para perceber. Quanto a ficar mais íntimo da filmografia do cineasta, é assim mesmo, vai aos poucos. Nem é preciso ver em ordem cronológica, necessariamente. E o personagem Marcelo de AS AMOROSAS, apesar de já ter essa coisa existencialista está bem longe da amargura do Marcelo quarentão ou cinquentão dos demais filmes.
Ah, vc chegou a ler uma entrevista que consta na revista Zingu! (49) sobre um cara que trabalhou com o Khouri? É muito esclarecedora e interessante. E deliciosa.
Esse foi o único filme do Khouri que assisti numa antiga sessão das dez no sbt. Mas na época eu nem me importava com Khouri...eu queria mais é ver a mulherada nua mesmo...hehehhe
Belo texto Marcelo cada vez melhor.
Aquele abraço e valeu pela força lá no meu blog.
Renato, é um filme que divide opiniões mesmo, como a maioria das obras diferenciadas, para cinefilos como nós, é mais do que obrigação conferir;
Ailton, como já te falei pelo face, o texto foi fluindo com tanta facilidade e entusiasmo q por descuido não citei essa bela e deliciosa atriz, q é um dos pontos altos do filme definitivamente. Quero conferir outras obras do Khouri q tragam o personagem Marcelo. Vou lá conferir essa entrevista na Zingu, q com certeza deve ser otima!
Brunão, meu caro amigo, exaltar seu blog não é força nenhuma, é um prazer! Assista mais Khouri, acho q vc vai curtir tb;
Um forte abraço a Tds!
O filme é bom, mas deixa a desejar. Pessoalmente, não acho um dos melhores de Khouri. A metáfora do animal - aqui o Urso - como representante dos desejos impossíveis de expressar está melhor desenvolvida em Corpo Ardente, também Khouri, esse uma grande obra-prima esquecida do cinema brasileiro. Em Eros, gosto principalmente da cena de abertura com a narração sobre São Paulo e a decoração bizarra do apartamento de Marcelo.
Valeu pelo texto. É preciso mais gente para divulgar a beleza e força dos filmes de Khouri.
Ah, quase esqueço. Segundo Renato Luiz Pucci Jr, que estuda Khouri há anos, essa é uma das únicas experiências do cinema, junto com "A Dama do lago", noir dos 40, que faz a experiência da camera em primeira pessoa praticamente todo o filme. acho que vale o registro!
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