A primeira vez que assisti O Selvagem da Motocicleta tinha uns 11 anos, foi em uma reapresentação no finado Cine Olaria, cinema que exist...

330 - O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish/Francis Ford Coppola/1982)

A primeira vez que assisti O Selvagem da Motocicleta tinha uns 11 anos, foi em uma reapresentação no finado Cine Olaria, cinema que existia no bairro onde ainda moro. Apesar de ser um filme com restrição para menores, era bem fácil ter acesso a esse tipo de obra naquele cinema ou até qualquer outro. Eram outros tempos e não havia tanta preocupação assim com o que podia se aprender com um filme. Era bem comum o pessoal da onde morava freqüentar esse cinema, uma enorme sala, com um telão gigantesco e que cabia bem mais que 1000 pessoas, herança de uma época aonde as pessoas colocavam ternos e roupas de gala para visitar a sala escura. Não eram raras às vezes em que se via ela com boa parte de sua lotação tomada, não me esqueço à fila interminável que se formou quando por lá foi exibido E.T. Saudosismos a parte, lembro que essa obra do genial Francis Ford Coppola foi um dos primeiros filmes a realmente me chamar a atenção para concepção de filmes como algo artístico. Após o termino da sessão, voltando pelas ruas mal iluminadas do bairro, a sensação é que algo havia mudado dentro de mim, não era mais o mesmo, O Selvagem da Motocicleta tinha me envelhecido, me feito ver a vida por outra ótica, que não existiam somente queridinhos da mamãe como eu, que a vida era dura e muitas vezes sem significado e que uma alma poderia viver uma existência toda de conflitos consigo mesmo. É, Coppola me marcou de uma forma indescritível e por isso tenho uma relação afetiva muito especial com esse filme.  

Escrever sobre esse filme sem ser emocional é quase impossível, a cada vez que revejo O Selvagem da Motocicleta minha admiração por essa obra cresce, talvez ela até tenha problemas de narrativa como alguns comentam, mas o misto de sentimentos e lembranças que ela ainda me provoca ainda é bem forte. Na época que descobri esse filme, mesmo com o baque que acusei, ainda era muito jovem e tinha pouco conhecimento ou discernimento para aproveitá-lo em sua plenitude, os simbolismos hoje em dia são mais evidentes e até acho o titulo no Brasil bem minimalista, a analogia do Motoqueiro (um Mickey Rourke mítico), ex-lider de uma gangue que agora vive por vagar sem destino, com o peixe de briga (Rumble Fish do titulo original) que surge colorido perante a visão daltônica preta e branca do personagem é perfeita. Com certeza o Motoqueiro é um personagem que vive em constante conflito consigo mesmo, como se pudesse brigar com sua própria imagem refletida no espelho, uma alusão com bastante propriedade de como um jovem pode ser incompreendido nas suas faltas de perspectivas e é genial que o Motoqueiro nem é o protagonista do filme, que vem a ser o seu irmão Rusty James (Matt Dilon em seu melhor momento), um limitado jovem deliquente que idolatra o irmão. Então, entra uma das outras perspectivas amplamente visitadas por Coppola em suas realizações: o conflito familiar, porque nesse quadro distopico temos a figura do Pai alcoólatra vivido por Dennis Hopper que facilmente estaria representando a ele mesmo. A aura lírica e mágica, mesmo que melancólica, que envolve os personagens é o que talvez mais crie empatia com o expectador, difícil não se identificar ou mesmo sentir pena em algum momento daqueles rapazes.

Bom, se não bastasse todo o clima sentimental que envolve O Selvagem da Motocicleta, a realização ainda é repleta de cenas antológicas, como na seqüência inicial em que Rusty se envolve em uma briga, sendo esfaqueado e o Motoqueiro aparece de forma triunfal e o salva da morte arremessando a motocicleta de forma sensacional no algoz de seu irmão ou quando Rusty após levar uma surra de criminosos, tem uma experiência de quase morte em que vê sua projeção astral visualizar a si mesmo e viajar pela cidade visitando o futuro recente de seus amigos ou na criação dos sonhos eróticos que Rusty tem com sua namorada vivida por uma lindíssima e sensual Diane Lane ou mesmo ainda no triste e poético epilogo, quando o nome do Motoqueiro fica marcado para sempre no imaginário de quem o conheceu. Definitivamente, essa é uma produção que pode ser mesmo dita que tem “alma”, e isso aliado a uma fotografia em preto e branco primorosa, uma trilha sonora jazzística intimista e um elenco coadjuvante de jovens e talentosos atores em sintonia vividos Nicolas Cage, Laurence Fishburne, Tom Waits e Chris Penn fazem por fim de O Selvagem da Motocicleta a lenda que merece ser.  


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O Filho de Sam ou Assassino da 44 foi um serial-killer que atormentou o Brooklin e o Bronx entre os anos de 1976 e 1977, matava basicamente...

329 - O Verão de Sam (Summer of Sam/Spike Lee/1999)


O Filho de Sam ou Assassino da 44 foi um serial-killer que atormentou o Brooklin e o Bronx entre os anos de 1976 e 1977, matava basicamente mulheres e parecia fazer parte de alguma seita satânica. Bom, inicialmente o que pode ser esperar de O Verão de Sam é uma obra que foque no perfil psicológico do assassino ou uma investigação que leve a prisão do mesmo. Isso poderia acontecer se fosse um outro diretor, até mesmo um talentoso como David Fincher, mas quem realiza esse sensacional filme é Spike Lee. Então o que vemos é uma obra que transcende o gênero de suspense sobre assassinos seriais. No meio de toda loucura e tensão instaurada com um maníaco a solta na vizinhança, Lee faz um retrato contundente do verão de 77, um dos mais quentes da historia de NY, passando pelo auge da discoteca, o consumo exacerbado de drogas, sexo liberal, a chegada com força do movimento Punk nos EUA, o inicio da decadência da máfia italiana e no final de tudo ainda dialoga com propriedade sobre preconceito (um dos seus temas preferidos). Resultado: uma obra que se destaca em sua carreira, diria até que figuraria fácil entre as melhores.

O Verão de Sam é um filme que empolga, definitivamente, e talvez esse sentimento possa mascarar algum defeito do filme, mas é realmente louvável como a historia vai se formando. O filme tem diversas referências, algumas explícitas, remetendo a filmes como Os Bons Companheiros, Scarface, Taxi Driver e Embalos de Sábado a Noite e outras que não sei se são coincidência, mas que um expectador mais atento pode perceber, como o inicio do filme que tem um impressionante clima de giallo, com a violência surgindo estilizada, além de boa parte dos atores serem de ascendência italiana e não vemos o rosto do assassino, apenas suas mãos, além da preferência por matar mulheres. Porém logo esse clima de suspense e o foco no assassino são deixados de lado para explorar as nuances dramáticas dos principais personagens, como Vinny (John Leguizamo sensacional), um cabeleireiro mulherengo casado com uma bela garçonete (Mira Sorvino sexy demais), que não consegue ter sexo bom e prazeroso com a mulher, pois acha que tratar a esposa com uma promiscua pode ser pecado ou Richie (Adrien Brody), um jovem que recentemente virou adepto do movimento punk e sofre preconceito por boa parte da vizinhança, culminando na desconfiança de que ele próprio seja o Filho de Sam. Ainda temos um grupo de mafiosos italianos, encabeçados pelo personagem de Ben Gazzara, que na ineficiência da policia para resolver o caso decidem fazer sua própria investigação.

No meio desse clima de tensão crescente instaurado, Lee vai destilando sua teia de diálogos ácidos e mordazes, com a câmera muitas vezes colada aos atores, para assim captar corpos suados e extenuados pelo calor, ansiedade e paranóia. Ora mostrando o relacionamento de Vinny e sua esposa, aonde nos leva a uma cena extremamente fetichista e sensual em que a esposa participa de uma orgia regada a drogas somente para satisfazer o marido libidinoso ora mostrando como o punk Richie se vira para viver, seja fazendo stripteases e sexo com os clientes em uma boate gay ou participando de filmes pornôs com sua namorada ou ainda mesmo mostrando com competência as conseqüências do famoso blecaute de 77, que rendeu um bocado de vandalismo na cidade de NY, em uma inteligente inserção em formato de documentário apresentado pelo próprio diretor. Em certo momento, o retrato daquela época, acompanhado de uma trilha sonora de flashbacks maravilhosa e apoiado em uma direção de arte fabulosa, que remontam aquele final de década de 70 de forma bem realística se mostra tão interessante que chegamos até quase a esquecer que aquele deveria ser um filme sobre um assassino. Com o diretor não se furtando a deixar o que seria o tema principal de lado para criar um grande filme, ele por fim acaba elevando O Verão de Sam a um patamar mais alto e confirmando assim essa como uma de suas obras mais autorais. Vejam!

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Harry Powell ( Robert Mitchum ) se considera pastor, subverte dogmas e usa a religião e Deus para justificar seus atos hediondos, como ex...

328 - O Mensageiro do Diabo (The Night of The Hunter/Charles Laughton/1955)


Harry Powell (Robert Mitchum) se considera pastor, subverte dogmas e usa a religião e Deus para justificar seus atos hediondos, como extorquir e assassinar mulheres por onde passa. Detido por um crime menor, Powell conhece na cadeia Ben Harper (Peter Graves), sujeito preso após cometer um ato de desespero e que espera no corredor da morte sua execução. Durante o convívio no encarceramento, Harper revela ao falso pastor que tem uma relevante quantia em dinheiro escondida na casa de sua família. O maldoso e ambicioso Powell assim que sai da prisão resolve ir ao encontro da família de Harper, composta pela viúva e os dois filhos pequenos, na intenção de se apossar da soma em dinheiro que se encontra oculta na propriedade.

Mensageiro do Diabo é uma excelente obra, diria que é notável como o diretor e ator Charles Laughton conduz a disputa entre o bem e o mal nessa sua única incursão na direção. Assim como o pastor Harry Powell é imbuído de todas as características que podem ser consideradas malignas, os outros personagens são dotados de nuances bem particulares como os filhos de Harper que carregam a ingenuidade e perseverança necessária, mesmo parecendo desprotegidos em boa parte do filme, ou uma senhora determinada que surge em certo momento como se fosse o bem necessário para enfrentar aquele pernicioso homem. O filme ainda é passado na época da grande depressão americana, o que lhe concede um clima bem particular, de crianças abandonadas pela família, que passam fome e vagam pelas estradas a procura de alimentos e um local para dormir. Nesse ponto, o filme se torna até um pouco triste e melancólico, mas Laughton consegue mesclar com competência esse clima dramático com certos momentos de suspense.

A trilha sonora e a belíssima e brilhante fotografia em preto em branco são algo a parte nessa realização, diria que os fotogramas surgem quase como um personagem no filme de tão importante que são. Cenas em que sombras parecem espreitar os personagens ou outras que mesclam certa sensibilidade com um clima de horror dos filmes da década de 30 e 40. Uma das seqüências em que vemos no fundo do lago o que aconteceu com uma das viúvas de Powell é impressionante de tão bem realizada, sim a cena é bem macabra, mas ao mesmo tempo rende louvores a sua impressionante beleza estética. Claro que Mensageiro do Diabo pode e deve causar um bocado de divagações, porque é um filme repleto de pequenas interpretações, metáforas e analogias, principalmente sobre religião. Há tantos detalhes nas atuações e na trama que poderia ficar um bom tempo aqui escrevendo sobre eles, mas recomendo a quem se interessar assistir essa maravilhosa obra e tirar suas próprias conclusões, porque é material de extrema qualidade e obrigatório. 


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Bom, faltam pouco mais de 30 filmes para o fim da proposta de assistir 365 filmes em 1 ano. Nas postagens costumo comentar pouco do desafio ...

326 - 327 - Dois Dramas sobre o Nazismo

Bom, faltam pouco mais de 30 filmes para o fim da proposta de assistir 365 filmes em 1 ano. Nas postagens costumo comentar pouco do desafio porque não quero tirar o foco do cinema, que é realmente o que importa. Quando resolvi enveredar por essa viagem de assistir tantos filmes no espaço de um ano (apesar de sempre ter assistido muitos filmes, mas nunca contado) sabia que quando chegassem final de novembro e o mês de dezembro teria dificuldades para escrever porque essa é a época que costumo mais trabalhar, além de ainda ter os afazeres normais do fim de ano. Tanto que no começo do blog fazia textos menores porque já vizualizava a dificuldade que teria para concebê-los no final do ano, mas o prazer esquecido que a escrita voltou a me proporcionar fez com que ousasse divagando em textos de 3, 4 e até 5 parágrafos. Tem sido prazeroso esse estudo de alguns filmes, sem contar a interação e amizade que adquiri com pessoas que tem gostos em comuns, talvez essa a verdadeira e grande conquista de todo esse tempo escrevendo nesse espaço que cada vez mais venho me afetuando.

Essa explanação inicial é para justificar o formato que os textos devem começar a ter nessa reta final, como não posso e não quero deixar o trabalho de lado, as postagens continuarão até completar os 365 filmes. Até agora foram postados 325 filmes no blog, mas já foram visto quase 340 e infelizmente como já disse não tenho tido tempo para escrever tanto como gostaria. Então, quem freqüenta meu blog já deve ter percebido que tenho trazido postagens duplas ou triplas e provavelmente até o final de 2011 elas serão mais recorrentes do que esse humilde escritor amador gostaria. Os dois filmes dessa postagem são dramas que trazem como temática o nazismo:

 - O Aprendiz (Apt Pupil/Bryan Singer/1998)

Terceiro filme na carreira do diretor Bryan Singer, O Aprendiz é a historia de Todd (Brad Renfro), um jovem arrogante que descobre que um morador de sua vizinhança foi um carrasco nazista. Kurt Dussander (Ian McKellen) é o nome do velho nazista que mora disfarçado como americano, se passando ainda como um bom velhinho. Todd desenvolve uma espécie de fixação por aquele senhor aparentemente frágil e usando de chantagem (como não revelar a localização de Dussander para as autoridades) obriga que o ex-carrasco conte suas terríveis historias de guerra. Aparentemente desse improvável relacionamento parece surgir uma amizade, poderia até ser uma historia de redenção, mas não é, ate porque a obra é baseada em uma novela de Stephen King, então não esperem algo trivial. Singer se apropria muito bem do texto e cria uma contundente obra, daquelas para causar reflexão mesmo, será que uma pessoa poderia deixar de ser má? Interessante que Dussander é imbuído de certa gentileza, como se quisesse causar simpatia ao expectador, mas quando o garoto vai o fazendo relembrar de suas abomináveis ações aquele espírito maligno então adormecido vai ressurgindo e involuntariamente ou não, Todd vai adquirindo certas nuances da personalidade do alemão, levantando outras questões: será que a maldade já vem no nosso DNA? Uma pessoa pode ser má por natureza ou ser doutrinada para tal? Diria que O Aprendiz é um filme obrigatório, de grandes atuações, tanto do veterano McKellen quanto do novato Renfro, que infelizmente se entregou as drogas e desistiu da promissora carreira e veio a falecer em 2008 de overdose;

- Napola (Dennis Gansel/2004)

Ambientado no começo da Segunda Guerra, Napola é o retrato de uma instituição que formava novos nazistas, cuidados, tratados e doutrinados na filosofia desde a infância, como Hitler desejava e sonhava. Sem acesso a qualquer cultura que não fosse à imposta pelo regime. A historia vai se formando pelo olhar de Friederich Weimer (Max Riemelt), um jovem proletário com talento para o boxe que ao ser descoberto por um “olheiro” nazista é convidado para ir estudar em Napola, nome por qual é conhecida a tal instituição. Com a família sendo contra o regime nazista, Weimer foge de casa para poder ter a chance de sua vida, já que quem não fosse a favor do nazismo tinha pouca chance de crescer na vida naquela Alemanha e foi assim que o regime angariou muitos adeptos, que viam a chance  de ter uma boa vida em locais como esse, o que ainda não deixa de ser uma manipulação e do pior tipo. Então de uma maneira impressionante somos apresentados a todo tipo de doutrina que o regime nazista usava (desde violência mental a física) para fazer a lavagem cerebral naqueles jovens, poucos ousavam levantar algum questionamento sobre os fundamentos apresentados, até que o filho escritor (Tom Schilling) de um oficial de alto escalão começar a se rebelar contra aqueles preceitos. Nesse ponto o filme cresce e ganha contornos mais dramáticos e intimistas em torno daquele sensível e incompreendido rapaz que ainda desenvolve uma amizade especial com Weimer (na verdade o filme levanta certas dúvidas se o rapaz não seria apaixonado por Weimer, mas não chega a dar espaço para esse tema). O olhar do jovem escritor vai mudar radicalmente a postura do boxeador em relação ao nazismo. Ainda com cenas visualmente lindas, Napola é um filme tão bom e obrigatório quanto O Aprendiz, uma  plausível visão de como um governo mal intencionado pode corromper e transformar de forma negativa uma geração inteira.






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Preconceito, intolerância, violência gratuita, bullying ou qualquer outra alcunha que receba, esses tipos de situações são temas recorrentes...

323 - 324 - 325 - Três Dramas com Temáticas Semelhantes

Preconceito, intolerância, violência gratuita, bullying ou qualquer outra alcunha que receba, esses tipos de situações são temas recorrentes no cinema e explorados muitas vezes em ambientes escolares, como se fossem um estudo de como muitas idéias erradas podem ser semeadas, muitas vezes até partindo dos próprios educadores. Normalmente obras que partem por explorar essas premissas e sua nuances conseguem trazer um retrato contundente, emocionado e ainda polêmico. Os três filmes apresentados nessa postagem, possuem temas semelhantes, abordados de formas diferentes, mas que valem ser descobertos:

- Código de Honra (School Ties/Robert Mandel/1992)

Das três obras em questão, Código de Honra é a mainstream da trinca, com atores hoje famosos em inicio de carreira como Brendan Fraser, Matt Damon, Ben Affleck, Chris O´Donnell e a bela Amy Locane. Também é o filme que apresenta uma visão mais sensível e romântica dos temas preconceito e intolerância. Na historia passada nos anos 50, David Greene (Brendan Fraser) é um rapaz humilde que ganha uma bolsa para estudar em uma escola renomada por conta do seu talento no futebol americano. A falta de status social logo é aceita pelos seus colegas quando os dotes esportivos de David são revelados, levando-o ao posto de ídolo do colégio, mas quando um de seus colegas descobre que David e de origem judaica tudo muda, sofrendo represálias e discriminação de outros estudantes e até sendo acusado de “colar” em uma prova, o que era considerado crime no colégio, que possuía uma espécie de código próprio aonde os alunos que tomavam as decisões. Claro que Código de Honra é repleto de clichês, não tinha como ser diferente, mas todos parecem bem usados e apesar de Fraser conseguir entregar uma boa atuação, quem rouba todas as cenas é um bem jovem Damon, fazendo o papel de riquinho enciumado com a fama repentina de um pobretão e ainda mais judeu. O filme tem um andamento bom, com algumas cenas românticas e levando o expectador a refletir sobre os traumas e conseqüências que podem nascer do preconceito. Porem, o epílogo excessivamente tradicionalista e hollywoodiano acaba aliviando algumas questões e fazendo o filme  valer mesmo como uma boa diversão;

- Entre os Muros da Prisão (Lês Hauts Murs/Christian Faure/2008)

Produção francesa baseada em fatos reais, Entres os Muros da Prisão é o retrato de uma instituição de ensino supervisionado para garotos que perderam a família ou eram deixados por elas durante a segunda guerra. A historia vai se formando a partir do olhar do escritor Yves Treguier (Emile Berlinger), que após vencer seu tempo no orfanato, é enviado com 14 anos para uma instituição dessas. Bom, o tema aqui passa até por certo preconceito, porque as crianças são órfãs e ainda consideradas malditas, principalmente as que foram abandonadas pelos parentes, como um triste garoto que foi deixado pela mãe que casou com um abastado homem que não suporta a presença do menino e prefere que fique naquela instituição, mas o principal foco é na violência que sofriam as mais jovens e recentes por parte de internos mais velhos. Então nem precisa dizer que é um filme bem sofrido, com cenas de surras, estupros e maldades de diversos tipos. Apesar de um quadro nada amigável, a trama cria uma nuance mais sensível na abordagem da amizade entre Treguier e um outro rapaz que assim como o escritor tem o sonho de fugir daquela verdadeira prisão. È um filme triste, mas muito bom, definitivamente vale uma olhada para refletir sobre todo o poder destrutivo que uma guerra pode ter sobre seres humanos, principalmente aqueles que estão em formação, ainda ingênuos ou com falta de entendimento do assunto;

- Evil, Raízes do Mal (Ondskan/Mikael Hafstrom/2003)

Primeiro filme de Hafstrom a realmente chamar a atenção, tanto que foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro na premiação de 2004, o sueco Evil é o retrato contundente de um colégio interno aonde o pensamento nazista ainda ecoa. A trama se passa um pouco após a segunda guerra, e acompanha a vida do rebelde e talentoso Erik Ponti (Andréas Wilson excelente), um jovem que é enviado pela mãe para essa escola por apresentar um comportamento considerado totalmente reprovável, mas que é embasado e justificado pela violência que sofria em casa por parte do padastro. Ao chegar a imponente e decadente instituição, que se gaba por ter formado os “melhores” homens da Suécia, Erik se vê dentro de um local incrivelmente segregacionista, aonde os alunos são separados por castas ou linhagens e aonde a maioria dos professores pregam um cultura ariana. O rapaz, por não ter nenhuma linhagem e não querer se adaptar as brutas regras é afrontado a todo o momento pelos alunos que formam o conselho que rege as leis do local. Diferente de filmes que divagam esse tipo de tema mostrando o protagonista como vitima, Hafstrom (que também escreveu) mostra Erik usando de artifícios inteligentes para revidar a violência que sofre, aliado a um outro rapaz intelectual, eles fazem referencias a Gandhi e a resistência sem violência. Apesar desse inicial clima pacifico, a violência não demora a aparecer e em certo momento a intenção é de criar um tipo de vingança contra todo aquele sentimento preconceituoso e intolerante. Claro que a partir disso muitas das atitudes de Erik são tão reprováveis quanto à de seus algozes, mas o rapaz acaba sendo o fruto do meio em que vive: se adaptar para sobreviver e nesse ponto é que o filme ganha tensão e cresce em emoção. Talvez seja o menos reflexivo, porque ele tende a dissipar esse clima, mas sem dúvida é a obra que provavelmente vai mais interagir com o expectador, criando angustia e fazendo o sangue ferver. A construção da trama leva a uma inevitável cena em que Erik se rende as provocações e parte para o revide violento de fato e é tão crua e que diria que nunca uma briga de escola foi tão regozijante. 





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Com as salas infestadas (só falta alguém te pegar pelo braço na rua e colocar dentro de um cinema) com o novo exemplar da Saga Crepúsculo...

322 - A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1 (The Twilight Saga: Breaking Dawn - Part 1/Bill Condon/2011)


Com as salas infestadas (só falta alguém te pegar pelo braço na rua e colocar dentro de um cinema) com o novo exemplar da Saga Crepúsculo, intitulado Amanhecer Parte 1, fica quase impossível não assisti-lo, e para falar a verdade, mesmo sem a pressão, tinha a intenção de assistir o filme, porque essa primeira parte do desfecho da “saga” mais insensata do cinema tem a direção de Bill Condon, um diretor que apesar de poucos trabalhos, tenho admiração por obras suas como o maravilhoso Deuses e Monstros e o bom Kinsey, Vamos Falar de Sexo?

A Saga Crepúsculo carrega um estigma ruim, isso é verdade, para a mesma quantidade de fãs e admiradores, existe um numero equivalente de detratores e zombeteiros. Harry Potter passou pelo mesmo problema no seu inicio de carreira cinematográfica, o primeiro filme foi acusado de ser infantil e lento demais, com atuações terríveis da trinca de protagonistas e outras reclamações, mas durante sua existência no telão, a serie HP mostrou desenvolvimento, ora nos roteiros ora nas atuações, houve uma evolução a olhos vistos, o que acabou calando a boca de um bocado de críticos. Bom, já de Crepúsculo não podemos dizer o mesmo e esse talvez seja o maior problema da franquia, não há um desenvolvimento real dos personagens, parece que você esta sempre no mesmo filme, na verdade, com o passar do tempo, é bem provável que um filme se confunda com o outro.

Essa falta de identidade para as produções, aliada a atuações que pouco convencem e a intenção de se levar muito a serio, fazem com que a Saga Crepúsculo caia no desdém para um bocado do público, existe pouca identificação para um expectador mais adulto e no final, fica tudo parecendo um tanto juvenil, o que acaba não sendo estranho, porque um bocado dos amantes da saga vem dessa faixa. Agora, analisando separadamente como realização cinematográfica, Amanhecer Parte 1 é ruim, mas não é péssimo, talvez seja o “melhor” dos realizados, mas carece de agilidade e fluência, porque em boa parte ele soa repetitivo, com varias cenas de juras de amor ao vento e outras tantas sobre a gravidez de Bella, a pouca historia e o filme se resume a isso, o casamento (com cenas bonitas por sinal), a parca lua de mel, com cenas de sexo pífias e a gravidez que culmina em uma interessante seqüência do nascimento do improvável rebento concebido entre a moça e o vampiro Edward.

Como sucesso comercial, Amanhecer Parte 1 parece que vem se saindo bem, mas o tempo vai dizer se foi acertada ou não para a narrativa a divisão do desfecho em duas partes, ficou a impressão que se tudo tivesse se resolvido em um filme, poderia ter sido cometido uma obra que poderia ser chamada de boa, mas como ficou, Amanhecer Parte 1 parece uma tremenda enrolação para faturar em cima do expectador.


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A adaptação de uma obra-prima dos quadrinhos para o audiovisual é muito difícil, principalmente quando escolhem como formato o live-actio...

321 - Batman Ano Um (Batman: Year One/Sam Liu, Lauren Montgomery/2011)


A adaptação de uma obra-prima dos quadrinhos para o audiovisual é muito difícil, principalmente quando escolhem como formato o live-action, coisas que nas HQs funcionam, podem não se sair bem na tela e acaba sempre rendendo um bocado de polêmica, principalmente quando se ofende boa parte da mitologia do personagem, como no caso do Constantine com Keanu Reeves, que como adaptação é uma das mais execráveis, mutila o personagem ao maximo, mas como filme de ação até que passa e talvez esse seja um dos maiores problemas nessas produções, a descaracterização de um mito, como no caso do Demolidor, que de um dos personagens mais fortes do universo heróico caiu no limbo do esquecimento por causa daquela aberração produzida com Ben Affleck no papel de Matt Murdock.

Bom, a divagação inicial que foge do tema do texto que é sobre a animação Batman Ano Um é para revelar o quanto sou fã e respeito o universo dos quadrinhos, considerada por muitos a nona arte, ficando atrás do vídeo game que seria a oitava (?) (deixa Will Eisner escutar isso...). Bom, a minha cinefilia certamente foi impulsionada pela leitura de infinitas historias, algumas que primavam pela narrativa e com o tempo fui conhecendo quem as realizava, os preferidos de infância sem dúvida eram Todd McFarlane, Stan Lee, John Romitta e o glorioso Frank Miller que em 1986 com parceria de David Mazzuccheli concebeu umas das melhores mini-series em papel já lançadas e que revolucionou a temática do Cavaleiro das Trevas, a sombria Ano Um (que ainda tenho original da época e em bom estado).

Esse que vos escreve (nerd?), com seus 10, 11 anos imaginava que se a mini-serie de Miller fosse filmada quadro a quadro seria a obra perfeita, irretocável ao ver daquela imaginativa mente. E eis que então em 2011, a própria DC que faz parceria com a Warner, que usou sua equipe de confiança no quesito animação e talvez ainda na tentativa de manter a editora estável no mercado de heróis, da qual andam em baixa depois do fiasco de produções mainstream como Lanterna Verde e provavelmente se apoiando na credibilidade da franquia de Nolan, lança no mercado de home-video a animação que seria a leitura  visual e literal de Ano Um, assim como foi imaginada por mim e provavelmente por muitos outros moleques espinhentos. Bom, não dá para dizer que foi uma grande decepção, mas que foi meio insatisfatório isso foi.

Assim como nos quadrinhos, o foco da historia é sobre o capitão Jim Gordon, recém chegado em Gotham City, cheio de ideais, mas que logo percebe que a cidade está afundada em corrupção. Batman é quase um coadjuvante, salvo quando mostra Bruce Wayne arquitetando a projeção perfeita para o que seria um combatente do crime que ameaçasse os bandidos. Engraçado que o longa carrega todos os elementos da historia clássica, mas os principais momentos de dramaticidade são encurtados em detrimento de seqüências de ação que são até bem feitas, mas que acabam tirando totalmente o clima soturno que a HQ carregava. Até mesmo a cena em que Batman fica sitiado pela policia em um apartamento abandonado e arruma uma solução inusitada para se safar e que nos quadrinhos fazia muita gente delirar, pareceu um tanto morna quando ganha movimentos.

Nos EUA, Batman Ano Um ganhou a avaliação PG-13, que faz ressalva sobre violência excessiva e material sexual, o que alude sobre uma temática mais adulta e realmente o filme tem alguma violência, uma outra cena de sexo entre Jim Gordon e sua amante ou mesmo a sensualidade de uma novata Mulher-Gato. A produção foi bem recebida pelo público americano, mas mesmo com todos esses elementos atraentes, aliados a um traço vistoso que foge de um desenho tradicional e mais banal, no final de tudo, ficou parecendo ser apenas uma produção mais esmerada visualmente feita sob medida para agradar o público juvenil.   


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Comédia que provavelmente vai ganhar o prêmio de chatice do ano de 2011, Eu Queria Ter a Sua Vida é uma bobagem só. Explorando um tema r...

320 - Eu Queria Ter a sua Vida (The Change-Up/David Dobkin/2011)


Comédia que provavelmente vai ganhar o prêmio de chatice do ano de 2011, Eu Queria Ter a Sua Vida é uma bobagem só. Explorando um tema recorrente no cinema: a troca de corpos, que na verdade parece estabelecida como um gênero. Totalmente previsível e apoiada em clichês exagerados e que pouco funcionam, é daqueles filmes que com meia hora de exibição se torna enfadonho, nem a presença carismática de Ryan Reynolds e o talento para comédia de Jason Bateman salvam o filme de uma seqüência de bocejos.

Na historia, Dave (Jason Bateman), um pai de família bem sucedido na vida profissional troca de corpo com Mitch (Ryan Reynolds), seu melhor amigo de infância, um ator de filmes pornôs softcores que passa boa parte do tempo sem fazer nada. Com uma premissa tão fraca como essa também não se pode esperar grandes coisas, mas algumas realizações com idéias fracas ou requentadas têm  conseguido se sair bem nos últimos tempos, como Se Beber, Não Case ou Missão Madrinhas de Casamento, mas definitivamente não é o caso de Eu Queria Ter a Sua Vida, que se não é o pior do ano, chega bem perto disso.


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O estimulo do cérebro humano através da violência, criando assim uma realidade distorcida, aonde o corpo humano se torna um receptáculo q...

319 - Videodrome - A Síndrome do Vídeo (Videodrome/David Cronenberg/1983)


O estimulo do cérebro humano através da violência, criando assim uma realidade distorcida, aonde o corpo humano se torna um receptáculo que pode ser usado como uma engrenagem. A manipulação definitiva, que usada através da TV, de modo massivo, pode transformar o mundo. Essa pode ser a premissa de Vídeodrome, uma das principais e mais contundentes obras do autor David Cronenberg. A visão desse ousado diretor, que imaginava a televisão como uma dominadora de idéias e como o reflexo dessa dominação poderia influenciar o ser humano, criando até o que seria uma “nova carne”, a fusão de homem com tecnologia, um novo ser concebido através da estimulação audiovisual.

Rever Videodrome é aumentar a admiração por Cronenberg, um realizador que de uma maneira ou de outra sempre trás o ser humano e suas constantes modificações e adaptações ao mundo que vive. Nessa realização, feita 2 anos após Scanners, Cronenberg manteve o foco nessas mudanças que podem ser infringidas ao corpo humano. Max Renn (James Woods) é produtor de uma emissora de TV a cabo picareta, que ganha o público com produções violentas e de cunho pornográfico, ainda com a justificativa do diferente que atrai. Ele mantém um estúdio clandestino, aonde pirateia transmissões de outras emissoras a cabo e em uma dessas incursões  acaba captando as imagens de um programa intitulado Videodrome, aonde são exibidas imagens de torturas, mutilações, mas com um teor que evoca sensualidade. Max fica seduzido pelas imagens e resolve investigar sua origem e nessa peregrinação pelo emissor do sinal, se vê envolvido em uma espécie de conspiração, desenvolvida por um grupo que tem interesse em manipular as pessoas através da programação e exibição do Videodrome.

A exploração da violência com sexualidade mostra o quanto Videodrome pode ter influenciado a carreira de Cronenberg, a temática ressoa em outras obras suas, principalmente no excelente Crash - Estranhos Prazeres. A concepção de uma vagina enorme no tórax de Max para servir como o receptáculo de informações, o que na historia seria um videocassete humano também já foi remontada em eXistenZ, aonde os humanos eram conectados a um game através de aberturas nas costas que lembravam orifícios anais. O cinema de Cronenberg é assim, pode-se não gostar, mas é feito para perturbar, desafiar o expectador e causar repulsa mesmo. As maneiras como os aparelhos de TV ganham vida e interagem com o protagonista são impressionantes e mesmo realizadas a mais de 20 anos ainda são competentes e de forma até bem realísticas.

Sinceramente, nem lembro quantas vezes assisti Videodrome, claro que nas primeiras apreciações nem me atentava a tantos detalhes, como alguns diálogos sensacionais, o interesse era maior pela excelente trilha sonora de horror e nos efeitos visuais que são primorosos, algo de gênio mesmo, mas uma coisa que sempre me incomodou nessa obra era seu epílogo, talvez por ser um tanto minimalista. Não sei se a intenção de Cronenberg era terminar a obra daquela maneira mesmo ou se teve haver com orçamento, mas nessa ultima revisão, me senti diferente, não ficou aquele gostinho de quero mais das ultimas vezes, achei que o final é perfeito, como se mesmo procurando uma saída, era inevitável aquele desfecho. Convenci-me que deveria ser assim pessimista, até porque a intenção é tornar marcante e discutível toda aquela loucura apresentada.


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Se teve uma época que realmente impulsionou minha cinefilia foram os anos 80, inúmeros filmes assistidos repetidas vezes, alguns de gosto...

317 - 318 - Dois Filmes dos Anos 80


Se teve uma época que realmente impulsionou minha cinefilia foram os anos 80, inúmeros filmes assistidos repetidas vezes, alguns de gosto duvidosos é verdade, mas o que importava era a diversão e a década de 80 talvez seja lembrada com carinho por muitas pessoas por ter esse cunho divertido mesmo. Tanto que nela o cinema considerado pipoca se estabeleceu e até hoje é o que movimenta o público a ir ao cinema. Foram anos deliciosos e inevitavelmente saudosos para mim e com certeza para muita gente. Os textos abaixo relembram dois filmes diferentes entre si, mas que fizeram muito sucesso nas sessões da tarde da vida:

 -Mulher Nota 1000 (Weird Science/John Hughes/1985)

Um sujeito que pode ser considerado o papa do cinema jovem nos anos 80 era John Hughes, diretor de obras marcantes como Clube dos Cinco, Gatinhas e Gatões, Curtindo a Vida Adoidado e escritor de uma outra infinidade delas, Hughes tem em Mulher Nota 1000 um dos seus maiores sucessos. Tudo bem que essa produção não tem o caráter discursivo das outras citadas, mas dialoga de forma muito divertida sobre um dos principais temas em voga na era oitentista, a iniciação sexual e a popularidade. O diretor usa referencias de filmes de ficção cientifica e terror para conceber a historia de dois jovens que criam à mulher perfeita usando um computador em casa. A mulher perfeita no caso é a maravilhosa Kelly LeBrock que povoou o imaginário adolescente por muito tempo, afinal, quem não queria ter uma mulher daquela a disposição para o que der e viesse? Além da saudosa Kelly, o filme também tinha um dos atores preferidos de Hughes que era Anthony Michael Hall, um jovem realmente talentoso, mas que o envolvimento com drogas acabou lhe privando de uma carreira de sucesso mais extensa. Mulher Nota 1000 carrega bem o clima catártico das produções da década, todos parecem viver o último dia de suas vidas e coisas realmente impossíveis que desafiam a física acontecem nessa realização, como uma casa inteira voar por uma chaminé ou ainda a quadrilha de sádicos invadir uma festa. Um filme delicioso que guardo com carinho em algum lugar do meu desgastado cérebro;

 - O Último Dragão (The Last Dragon/Michael Schultz/1985)

O ano de 1985 foi um dos mais prolixos da década de 80, com produções que arrebataram o mundo e viraram clássicos totais, como De Volta para o Futuro, A Hora do Espanto e até o citado acima Mulher Nota 1000, sem comentar os dramas. Além dessas produções com cunho mais populares, 1985 também produziu obras menores, mas que ganharam o publico como O Último Dragão. O diretor Michael Schultz realizou muita coisa nos anos 80 e 70, incluindo uma versão cinematográfica de Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band de 1978 com Peter Frampton e Bee Gees no elenco que não teve muito sucesso. O Último Dragão foi uma das produções derradeiras da Motown, uma produtora que primava por trazer artistas negros em suas obras e além de algumas produções para o cinema, como uma versão do Mágico de Oz que trazia um jovem  Michael Jackson e Diana Ross nos papeis principais, a Motown ganhou maiores notabilidades por lançar inúmeros excelentes artistas negros da musica norte-americana. Nessa obra, Schultz misturou tudo o que podia de referencias da cultura negra como a black-music (a trilha sonora é sensacional e talvez melhor que o filme), com o sucesso dos videoclipes e ainda parodiou artistas em evidencia na época como Madonna. Mesclou tudo isso a uma historia sobre artes-marciais inspirada em Bruce Lee (?). Isso mesmo! Dessa junção improvável surgiu o carismático Bruce Leeroy (Leroy Green) e seu antagonista inesquecível Shogun (Julius Carry). O filme é isso, um produtor de musica picareta quer impor que uma de suas cantoras seja lançada em uma discoteca capitaneada por uma DJ das mais sexys, no meio disso Bruce Leeroy entra como guarda-costas da moça e para enfrentar o discípulo negro de Bruce Lee, o produtor contrata o querido Shogun, um sujeito que se acha o maioral do Brooklyn na porradaria e quer desbancar o ingênuo Leeroy a qualquer custo. O Último Dragão é um filme que peca em muitos sentidos, o roteiro apresenta furos enormes e as atuações mais caricatas impossíveis, mas afinal, quem liga? Esse eu guardo na minha memória afetiva e quando revejo, volto a ter 10 anos e bate uma saudade daquelas...

Os anos 80 já são lendários, muita gente pode criticar ou mesmo achar bizarro, mas talvez essa tenha sido uma das décadas mais criativas para o mundo. Existe muito material de qualidade duvidosa produzido nessa época, isso é verdade, mas era  realmente louvável a intenção de ser criativo, não havia o medo de tentar, se pecava pelo excesso de ousadia e não pela falta e talvez por isso se sinta tanta falta dessa magia oitentista. 



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A recente apreciação do excelente A Pele que Habito me deixou ávido por mais um Pedro Almodóvar , o cinema instigante do espanhol parece q...

316 - Volver (Pedro Almodóvar/2006)


A recente apreciação do excelente A Pele que Habito me deixou ávido por mais um Pedro Almodóvar, o cinema instigante do espanhol parece que cresce nas lembranças e enquanto a sua mais recente obra na sai para ser revista em home–video, esse expectador que vos escreve vai se contentando revendo algumas lançadas e o escolhido foi o também maravilhoso Volver. Um filme que apesar de na essência ser um drama, tem seus momentos de mistério e até traça alguns comparativos com A Pele que Habito, como a mulher que vive enclausurada e guarda um terrível segredo.

No cinema de Almodóvar é mais do que evidente o seu desapego à figura masculina, não sei se algum trauma talvez tenha gerado esse comportamento e nas suas obras o diretor parece exorcizar seus demônios e em uma espécie de auto-analise acaba parecendo fazer do público seu divã (ou seria ao contrário?) e assim concebendo obras sempre desafiadoras e contundentes. Em Volver, o cineasta faz um filme essencialmente feminino, não há homens para se criar contrapontos, os poucos que aparecem logo são limados para darem espaço às atrizes brilharem em cena. Penélope Cruz, Carmen Maura, Lola Dueñas, Blanca Portillo criam um verdadeiro embate de sentimentos esquecidos e aflorados com a morte de uma tia, que parece ter sido cuidada nos últimos momentos de vida pelo fantasma de sua irmã Irene (Carmen Maura) que vem a ser a mãe de Raimunda (Penélope Cruz) e Sole (Lola Dueñas). No dia do enterro da tia, o fantasma acompanha Sole (Lola Dueñas) de volta e se instala em sua casa com  o intuito de se acertar com as filhas.

Claro que Almodóvar não se apega somente ao reencontro de mãe e filhas e apresenta uma outra vertente da historia envolvendo Augustina (Blanca Portillo), uma vizinha filha de uma hippie, e que a mãe sumiu no mesmo dia em que a mãe de Raimunda morreu. Desenrolando esse dois mistérios, o diretor vai tecendo uma teia de feminices que explicitam toda a beleza da mulher. Penélope Cruz, incrivelmente linda e sensual, até nos momentos mais sofridos, representa a dona de casa que parece voltar a sentir a vida depois que o marido a "abandona", é dela uma das melhores cenas, quando protagoniza uma seqüência emocionante cantando uma bela canção enquanto o fantasma da mãe a observa, criando assim um dos momentos mágicos do filme ou mesmo uma outra seqüência dotada da mesma magia em que a fantasma de Irene reencontra Augustina, que clama por saber o que aconteceu a sua mãe.

Volver tem suas reviravoltas e muito do que parece ser na verdade não é. E assim como em A Pele que Habito, quando Almodóvar revela seus segredos, parece que o filme ganha mais força. Como foi dito por alguns leitores do blog e afirmado por esse humilde escritor e fã desse talentoso diretor na postagem do seu último filme, somente um cineasta genial como o espanhol para revelar o mistério do filme ainda na sua metade e mesmo assim manter a trama atraente para o público. Volver é uma obra emblemática na carreira desse cineasta, divide opiniões como a maioria de seus filmes, mas até para quem não gosta é impossível não se render ao magnetismo dessa extraordinária realização.  


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E m 2006, a diretora Sandra Werneck realizou o interessante documentário Meninas , que acompanhava 3 jovens de comunidades carentes e su...

315 - Sonhos Roubados (Sandra Werneck/2009)


Em 2006, a diretora Sandra Werneck realizou o interessante documentário Meninas, que acompanhava 3 jovens de comunidades carentes e suas iminentes gravidez que inevitavelmente mudariam o cotidiano de suas vidas. A diretora parece ter ficado atraída pela sofrida vida dessas adolescentes que tem suas utopias praticamente arrancadas de si, devido ao tipo de vida que levam, umas pela falta de informação, outras por abandono e outras ainda pela falta de responsabilidade mesmo e talvez dessa vontade de ir um pouco mais fundo nesse contexto saiu o também bom, só que ficcional Sonhos Roubados.

Em Sonhos Roubados, a câmera de Sandra Werneck acompanha em um tom semi-documental o cotidiano de 3 amigas que entre seus 14 e 17 anos vivem uma vida de prostituição no RJ. A diretora, diferente de outras produções que já tocaram no tema, humaniza as personagens e trás um perfil especial para cada uma por trás de como ganham a vida. Jéssica (Nanda Costa excelente) a mais madura do grupo e personagem principal, mora com o avô (Nelson Xavier) aparentemente tuberculoso e tenta criar a filha que teve ainda bem jovem enquanto disputa a guarda da mesma com o pai e avó da criança que são evangélicos fervorosos. Sabrina (Kika Farias), filha de imigrantes nordestinos, é a mais desgarrada de família, se envolve com um poderoso criminoso e para ter uma vida melhor, precisa se adaptar as regras impostas pelo sujeito. E por ultima, Daiane (Amanda Diniz), a mais jovem e ingênua, que é criada por familiares e sofre assédio do tio (Daniel Dantas) enquanto se envereda pela “vida fácil”, mas mesmo assim sonha com uma festa de 15 anos e com a valsa com seu pai (Ângelo Antonio), que não lhe dá a mínima atenção. Daiane tem na bonita amizade com uma cabeleireira (Marieta Severo) seu verdadeiro porto seguro.

Essa é a representação da vida que levam as meninas, que mesmo sofrendo e perdendo a inocência um tanto cedo, tentam se manter fieis a seus mais íntimos desejos, seja Jéssica se apaixonando por um presidiário (M.V. Bill) ou Sabrina engravidando do seu namorado criminoso e resolvendo ter o seu sonhado filho sozinha, mesmo que para isso tenha que voltar a se prostituir ou Daiane chantageando seu omisso pai para que consiga sua festa de 15 anos. Apoiada por uma ótima atuação das jovens, que compram literalmente seus personagens e pelo talentoso elenco coadjuvante, Sandra Werneck aplica um competente olhar bem cru sobre o dia a dia de cada uma delas, poderia até mostrá-las com certa utopia, como princesinhas sem reino, mas a visão é de meninas sofridas com suas vidas e com seus sonhos maculados, por isso o titulo Sonhos Roubados caia tão perfeitamente nessa obra.


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Desde os idos da cinematografia, o tema da vida no circo foi visitado diversas vezes, seja no cinema mudo de Chaplin ou na beleza melanc...

314 - Monstros (Freaks/Ted Browning/1932)


Desde os idos da cinematografia, o tema da vida no circo foi visitado diversas vezes, seja no cinema mudo de Chaplin ou na beleza melancólica de Fellini. Produções explicitamente belas, mas provavelmente nenhuma delas foi tão crua e chocante quanto esse Monstros de 1932. A curiosidade por assistir essa pérola vem desde a apreciação de Os Sonhadores de Bertollucci, já que a obra do italiano é repleta de cenas que fazem referências a obras clássicas do cinema e essa realização do prolixo diretor Ted Browning é uma das homenageadas em uma seqüência importante do filme.

A trama toda do filme se desenrola nos bastidores de um renomado circo que investe na apresentação de seres humanos bizarros como as principais atrações. Um sujeito que só tem o corpo da cintura para cima ou um outro que só tem o tronco e a cabeça ou as irmãs siamesas e ainda outras figuras que de tão exóticas parecem criações de CG ou mesmo montagem , só que na verdade a trupe de aberrações são impressionantemente reais, alguns até conhecidos na época, o que acaba trazendo ao filme um clima bem peculiar, seja de uma melancolia cômica ou mesmo remetendo em alguns momentos a um cinema de terror. A historia principal é sobre uma bela trapezista que seduz um simpático anão de olho na fortuna que o mesmo parece deter, mas quando as aberrações percebem que a bela mulher na verdade não possui sentimentos pelo pequenino e ainda o envenena com a intenção de matá-lo para herdar seu dinheiro, eles resolvem desferir uma vingança contra a moça e seu amante, o musculoso levantador de peso.

Claro que o olhar em cima dos “monstros” pode criar certo asco em relação a eles, mas como o diretor vai delineando a historia, com sensibilidade e destreza, ele mostra que mesmo tendo deformações físicas terríveis, eles possuem os mesmos sentimentos que humanos considerados “normais” e que mesmo os considerados “normais” podem ser tão “monstros” quanto às aberrações. Há uma inversão de valores bem realizada em um roteiro que mesmo sendo exibido em pouco mais de uma hora consegue ser suficientemente competente e ainda apresenta um epílogo que hoje pode parecer até engraçado, mas que deve ter sido bem chocante a época de seu lançamento. A cena citada em Os Sonhadores em que os freaks saúdam o casamento do anão e a trapezista entoando “One of Us” (um de nós) é marcante mesmo, um dos melhores momentos dessa lendária obra. 


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